O tema é sensível para França, que recentemente teve atritos com o ministro Paulo Guedes (Economia). Apesar da afirmação do comando do Itamaraty, existe um movimento de diplomatas contra a indicação. Interlocutores ouvidos pela Folha disseram que embaixa

16 de maio de 2022 282

A guerra entre Rússia e Ucrânia acabou se tornando plano de fundo para uma espécie de reality show nas redes sociais, onde pessoas passaram a acompanhar os próximos passos de duas figuras centrais no conflito.

De um lado, Vladimir Putin, com a frieza de um ex-agente do serviço secreto soviético, a extinta KGB. Do outro, Volodymyr Zelensky, um ex-comediante que chegou ao poder em pouco tempo e se tornou o presidente da Ucrânia.

Apesar das diferenças de personalidades entre os líderes da Rússia e Ucrânia, especialistas ouvidos pelo Metrópoles afirmam que existe uma guerra de versões, onde cada um, ao seu modo, tenta usar as redes sociais e a internet para conquistar pontos. “Há um esforço grande das duas partes em ganhar essa guerra de versões. É o imediato no conflito”, afirma Ricardo Wahredorff.

Com personalidades diferentes, Putin e Zelensky seguiram linhas distintas nessa batalha. Enquanto o presidente ucraniano transformou as redes sociais em uma espécie de salão de imprensa internacional, utilizando o poder de mobilização das redes ao seu favor, o presidente da Rússia seguiu sua já conhecida e clássica linha conservadora, com raras aparições ou declarações públicas.

“Com a guerra, vimos um movimento de ele estar entre os cidadãos ucranianos de igual para igual, com roupas básicas, de cores que remetem a guerra. Esse movimento de se vestir ‘normal’, estar entre os cidadãos, fazer vídeos com fundos neutros, gera uma empatia de todos. O presidente da resistência, que luta junto ao seu povo de igual pra igual”, explica Gis de Oliveira, relações públicas e especialista em gestão estratégica de carreira e imagem.

Para o cientista político André Cesar, as atitudes de Zelensky em relação à internet o colocaram um passo a frente de Putin – ao menos na guerra de narrativas. “Até agora, por usar as redes sociais de uma forma inteligente para se comunicar com o mundo e passar a sua versão dos fatos, Zelensky é o grande vencedor da guerra de narrativas”, afirma André Cesar.

Para ter uma dimensão do sucesso de Zelensky nas redes sociais, dados da plataforma Social Blade mostram que, entre 21 e 28 de fevereiro, período que antecedeu a guerra e ainda o início do conflito, o presidente da Ucrânia chegou a ganhar mais de 3,1 milhões de seguidores em sua conta oficial no Twitter, onde costuma fotos, vídeos e textos sobre a situação da guerra, além de atitudes diplomáticas sobre o conflito e mensagens motivadoras e incentivadoras para soldados e ucranianos em geral.

Guerra de informação

Já a pouca presença digital de Putin e de órgãos oficiais do governo russo não indica, necessariamente, que eles não entendam o poder das redes sociais. “O Putin está completamente dentro da guerra de comunicação”, afirma Wahredorff.

A atuação da agência reguladora de mídia estatal russa, a Roskomnadzor, demonstra como o governo russo enxerga a informação como uma arma. Poucos dias após o início da guerra, o governo da Rússia decidiu bloquear o acesso ao Facebook – e baniu a rede social dias depois – no país como forma de represálias ao que chamaram de “discriminação contra a mídia russa”.

Um dia depois, em 4 de março, foi a vez de o Twitter ser proibido no país, com a alegação de que a rede social era palco para a disseminação de informações falsas sobre o conflito.

Assim como o Facebook, o Instagram foi outra rede social banida da Rússia, afetando cerca de 80 milhões de usuários no país. Era mais um golpe contra a Meta Plataforms, empresa americana que controla as duas redes sociais, além do WhatsApp, que foi classificada pelo governo russo como uma “organização extremista” por supostamente estar disseminando informações falsas sobre a guerra.

O banimento das principais redes sociais controladas pela Meta aconteceu ainda depois que a empresa anunciou a liberação de discurso de ódio contra russos no contexto da guerra, inclusive publicações que pediam a morte de Putin e de Alexander Lukashenko, presidente da Belarus. Depois da repercussão negativa, a medida foi revogada pela empresa.

Antonio Testa, cientista e antropológo, diz que a guerra de versões e o modo de agir de cada um dos lados do conflito não é uma novidade.

“Desde as guerras na antiguidade, as narrativas foram usadas para dissimular intenções e gerar pânico, principalmente na população. A propaganda de guerra foi aperfeiçoada por Goebbels, o gênio nazista do mal, e foi muito utilizada na guerra do Vietnã e em outros conflitos”, explica.

“Contudo, antes não existia internet e redes sociais, que são muito atuantes no cotidiano da maioria hoje em dia. Com isso, criou-se uma ferramenta poderosa para disseminar narrativas, inclusive fake news e informações editadas dos lados em conflito”.

Desinformação

Em meio à guerra de narrativas entre as duas partes do conflito, a batalha contra a desinformação nas redes sociais se intensificou, tendo como principal alvo mídias estatais do governo da Rússia.

Procuradas pelo Metrópoles, as redes sociais afetadas por bloqueios ou restrições na Rússia mostraram que um dos principais focos contra a desinformação foram mídias estatais supostamente controladas pelo governo russo, dando menor visibilidade para informações divulgadas pelas principais agências do país.

O Twitter e a Meta Plataforms rotularam o conteúdo divulgado por mídias estatais russas em suas redes sociais, além de expandir a verificação informações vindas dos dois países.

Redes sociais viram ponte de solidariedade

Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que mais de 4 mil civis morreram na Ucrânia desde a invasão das tropas russas, além de mais de cerca 4,5 milhões de refugiados, que fugiram do país em busca de segurança.

Quando se instala uma crise humanitária, principalmente em uma região com tamanha visibilidade quanto à Europa, rapidamente um sentimento de comoção geral começa a ser criado na maioria das pessoas que acompanham o conflito bélico.

“A guerra, além de ser um problema dos países envolvidos, também é um problema dos países afora, por questões humanitárias e principalmente econômicas. Quando um ser humano empático vê um outro ser humano, seja ele quem for passando por uma situação ruim/difícil, se comove e quer pensar em ajudar”, explica a psicóloga Amanda Marques.

Foi pensando em ajudar aqueles que tentavam fugir da guerra que a psicanalista Mary de Jesus, uma brasileira que mora na Polônia, buscou nas redes sociais uma forma de tentar fazer a sua parte.

“Logo no primeiro dia de guerra eu entrei no Facebook para ver se já tinha alguém falando sobre a situação dos brasileiros na Ucrânia, alguém se manifestando para ajudar”, lembra. “Foi quando eu encontrei a Clara, que me enviou o link do Frente BrazUcra no Telegram”.

Assim como Mary, a estudante Clara Magalhães se sensibilizou com a situação caótica na Ucrânia e decidiu oferecer ajuda a brasileiros que tentavam sair do país em início de guerra pelo Facebook. Pelas redes sociais, a ideia foi se espalhando e encontrando aqueles que também queriam fazer algo por quem buscava refugio. Nascia o Frente BrazUcra, grupo que contava com cerca de 25 membros nos primeiros dias e hoje já ultrapassa os 1,3 mil.

Reprodução

O primeiro resgate realizado pelo grupo aconteceu quatro dias depois de Clara viajar cerca de 15 horas de de Leipzing, onde mora na Alemanha, até a fronteira com a Polônia. Dois jogadores de futebol, e a esposa de um deles, foram os primeiros a receberem o apoio do Frente BrazUcra. Atualmente, o grupo afirma ter resgatado mais de 100 pessoas de dentro da Ucrânia.

“Nós resgatamos pessoas de dentro da Ucrânia que querem sair e não tem condições. Quando elas chegam até a Polônia, ou qualquer outro país, providenciamos uma acomodação inicial e depois ajudamos ela com tudo o que for necessário, desde remédios, alimentos, roupas, até que elas consigam ir para o seu destino final. Caso elas não tenham condições, também providenciamos passagens de ônibus, de avião”, explica Mary.

Além do trabalho de resgate de brasileiros, e de pessoas de outras nacionalidades que também buscam fugir da Ucrânia, o grupo ainda tenta levar suprimentos para regiões do país em guerra que necessitem de alimento e água.

Sem ligações com órgãos governamentais, o trabalho do Frente BrazUcra é mantido por fundos arrecadas por meio da rede de solidariedade criada na internet, com de doações de suprimentos ou de dinheiro.

Para Mary, que coordena as operações do grupo via internet desde o início, as redes sociais foram uma importante ferramenta para que a ajuda humanitária pudesse chegar até quem precisa. Elas serviram como canal de comunicação, com horários de toques de recolher, divulgação de melhoras rotas de fuga e fronteiras, alertas de bomba, além de ser o espaço onde voluntários podiam oferecer ajudar.

“As redes sociais têm sido de fundamental importância para o trabalho que estamos realizando. Seja para divulgar a realidade da guerra, do que precisamos fazer como humanos, assim como solicitar ajuda. Nós precisamos de ajuda financeira, de doações, e as redes sociais têm exercido esse papel importante para a sobrevivência do Frente BrazUcra”, explica.

Fonte: METRÓPOLES/JUNIO SILVA