Ressurreição

29 de março de 2018 835

 No próximo dia 1° de abril, domingo de Páscoa, a tradição cristã celebra o mito da ressurreição de Jesus, que teria acontecida três dias após sua morte na cruz. A etimologia da palavra "páscoa" remete ao termo hebraico "pessach" que significa "passagem", o nome com o qual os antigos judeus comemoravam o fim da escravidão no Egito e o início de uma nova vida a caminho da terra prometida, a Palestina, nas margens do mar Mediterrâneo.

            Simbolicamente, a pessach judaica e a páscoa cristã não deixam de ser representações religiosas de remotas festas de povos do Ocidente, que comemoravam a passagem do fim do inverno para o início da primavera, durante o mês de março. Era a exaltação da vida que todo o ano se renova, da semente que floresce, da fertilidade e procriação. Não é sem motivo que, ainda hoje, o símbolo pascoal mas difundido é o coelho, o animal que mais se reproduz. Portanto, o conceito de ressurreição  está profundamente ligado ao desejo da sobrevivência, pois ninguém morre totalmente. Nós continuamos vivos no filho que educamos, na árvore que plantamos, no livro que escrevemos, no quadro que pintamos.

                        Que Cristo foi o Filho de Deus encarnado na Virgem Maria para salvar a humanidade, morrendo e ressuscitando, é uma questão de fé, ligada à crença na existência de um mundo sobrenatural e de espíritos desencarnados. Mas qualquer dogma religioso deveria ter um mínimo de lógica para ser compreendido e seguido. Por que distinguir três Pessoas no único Deus que teria criado o mundo e se o pecado de Adão foi o querer saber, comendo a maçã, a fruta da árvore do conhecimento do bem e do mal, por que Ele teria dado ao ser humano o dom da inteligência, distinguido-lo do animal que não tem pensamento e reflexão?

                        De outro lado, divino ou humano,  ninguém pode negar que Jesus foi o maior gênio benfeitor da humanidade. Sua importância histórica é tão indiscutível ao ponto de dividimos as épocas em antes e depois de Cristo. Como Sócrates nos ensinou a pensar, Jesus nos ensinou a amar, sendo incalculável sua contribuição para o progresso de civilizações.  Ele conseguiu substituir a doutrina do Velho Testamento por um novo evangelho, trocando o "olho por olho" judaico pelo oferecimento da outra face ao ofensor. O Deus do Nazareno é bem diferente do Jeová nacionalista dos hebreus, que protege seus fiéis, destinando-lhes uma nova pátria em detrimento de outros povos, causando ódios e guerras inúmeras. Ele é o Deus Pai universal de todos os homens, cujo mandamento primordial é o amor fundamentado na justiça social. Se o legado de Jesus  não foi plenamente aceito por todas as nações, culpada é nossa ignorância primordial, mãe de todas as formas de autoritarismo: religioso, político, jurídico, ético. Vamos nos renovar, renascendo, ressuscitando?

  

Salvatore D' Onofrio 
Dr. pela USP e Professor Titular pela UNESP 
Autor do Dicionário de Cultura Básica (Publit)
Literatura Ocidental e Forma e Sentido do Texto Literário (Ática)
Pensar é preciso e Pesquisando (Editorama)
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